No último dia 17 foi publicada a IN 1397/2013 da Receita Federal do Brasil que trouxe novas disposições sobre o Regime Tributário de Transição, instituído pela Lei nº 11941/2009 com intuito de trazer neutralidade às alterações trazidas pela Lei nº 11638/2007 no que tange ao reconhecimento de receitas, custos e despesas na apuração do lucro líquido. Dentre outros temas, merecem destaque:
a) Escrituração Contábil Fiscal (ECF)
A IN criou a Escrituração Contábil Fiscal para as pessoas jurídicas tributadas pelo Lucro Real com vigência a partir do ano-calendário de 2014. A ECF é escrituração cujos lançamentos deverão considerar os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 e deverá ser transmitida à RFB por meio do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) até o último dia útil do mês de junho de cada ano em relação à escrituração do ano anterior.
Vale mencionar que o FCONT (Controle Fiscal Contábil de Transição), que era destinado justamente a expurgar os efeitos da nova prática contábil societária quanto ao reconhecimento de receitas, custos e despesas na apuração do lucro líquido, deixa de existir a partir do ano-calendário de 2014, quando entra em vigor a ECF.
Com a entrada em vigor da ECF cria-se, efetivamente, a coexistência de duas contabilidades (a societária, que observa as regras contábeis introduzidas pela Lei nº 11638/2007, e a fiscal, base para a apuração dos tributos, que expurga os efeitos fiscais decorrentes das novas práticas contábeis).
Quer nos parecer que a instituição de uma contabilidade fiscal foi realizada com o intuito de justificar as alterações tributárias trazidas pela própria IN no que se refere aos efeitos tributários sobre dividendos e juros sobre o capital próprio, entre outros, instituindo, exclusivamente para os fins tributários, o passivo, o ativo e o patrimônio líquido apurados de acordo com os métodos e critérios contábeis vigentes em 31/12/2007, o que constitui inovação que não encontra amparo na legislação tributária.
Isso fica reforçado tanto pelo 2º do art. 2º da IN 1397/2013, que diz que nas referências da legislação do Imposto sobre a Renda e da CSLL a elementos do Ativo, do Passivo e do Patrimônio Líquido, bem como a Resultados, Receitas, Custos e Despesas, deverão ser considerados os métodos e critérios contábeis vigentes em 31/12/2007, quanto pelo artigo 10 da IN, que determina que passe a se controlar no LALUR, o balanço patrimonial, demonstração do resultado do período de apuração além da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados registrados na ECF.
Vale ressaltar que legislação do Regime Tributário Transitório (RTT) tratou apenas dos efeitos tributários decorrentes de diferenças no reconhecimento de receitas, despesas e custos, e jamais tratou de ativos, passivos e patrimônio líquido, cujo conceito, como não poderia deixar de sê-lo, advinha da legislação contábil societária.
Nesse sentido, nossa visão é de que a ECF padece de legalidade posto que cria a obrigação de se manter uma contabilidade paralela não determinada por lei, quando, de acordo com as disposições da Lei nº 11.941/2009, incluindo a alteração por ela perpetrada no §2º do art. 177 da Lei das S.A., haveria a obrigação de manutenção de registros auxiliares para as disposições de leis tributárias que divirjam dos critérios contábeis societários.
Por fim, observa-se que a IN promoveu mais uma inversão de ordem no que tange à escrituração: até o ano-calendário de 2013 o contribuinte apura a contabilidade societária e, depois, faz os ajustes necessários, via FCONT e LALUR, para chegar à apuração tributária. A partir do ano-calendário de 2014 (conforme art. 19, §2º da IN) o contribuinte passa a manter controle dos lançamentos efetuados na escrituração societária com base em métodos e critérios diferentes daqueles prescritos pela legislação tributária.
b) Dividendos
A Lei nº 9.249/95 estabeleceu isenção do Imposto de Renda (IR) aos lucros e dividendos pagos a sócios ou acionistas quando registrados em balanços levantados a partir de 1996.
Até o ano de 2007 não havia grandes celeumas sobre a extensão desses lucros ou dividendos, dado que eles eram o apurado segundo a escrituração contábil realizada pelo contribuinte observado o quanto disposto na Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.), tal e qual dispunha o Decreto-lei nº 1.598/77.
Com a edição da Lei nº 11.638/2007 e a instituição do RTT, houve alguns descasamentos entre a contabilidade societária e a apuração fiscal. Em regra, para fins da isenção de que trata a Lei nº 9.249/95, os contribuintes seguiram entendendo que ela alcançava os lucros e dividendos calculados segundo a contabilidade societária.
A IN 1397/2013, contudo, estabeleceu que a isenção em questão alcança apenas os lucros ou dividendos obtidos com observância dos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (ou seja, de acordo com a ECF a partir de 2014), e não aqueles com base na contabilidade societária.
Desse modo, o excesso de lucro ou dividendos distribuídos deverá ser oferecido à tributação pelo IRPJ e pela CSLL (no caso de pessoa jurídica) e quanto pelo IRPF (no caso de o beneficiário ser pessoa natural).
Esse tratamento em relação aos lucros e dividendos, vale dizer, está em linha com o Parecer nº 202, de 2013, da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da PGFN, divulgado no primeiro semestre do ano corrente. No referido parecer, em brevíssimas linhas, a PGFN posiciona-se no sentido de que, a Lei nº 11941/2009 trouxe a neutralidade fiscal às alterações contábeis trazidas pelo RTT de modo que se conservassem os critérios vigentes até 31/12/2007 inclusive para o cálculo dos lucros e dividendos referidos por normas tributárias.
Cabe ressaltar que as disposições da IN assim como do Parecer da PGFN mencionado são passíveis de questionamentos, havendo bons argumentos jurídicos, a nosso ver, para que se faça valer a isenção da distribuição de lucros e dividendos de acordo com o quanto apurado pela contabilidade societária.
Isso porque, como já mencionado, ao determinar os controles do Ativo, do Passivo e do Patrimônio Líquido, bem como a Resultados segundo os métodos e critérios contábeis vigentes em 31/12/2007, a IN 1.397/2009 cria, sem base legal, uma espécie de “conceito fiscal” dessas grandezas, dado que elas sempre foram tomadas da legislação contábil societária. Assim sendo, ao determinar que a isenção da distribuição de lucros e dividendos deve observar estes parâmetros, a IN cria o conceito de lucros e dividendos para fins fiscais, o que se revela um absurdo dada a ausência de lei que autorize tal restrição.
Ademais, o inciso II, do art. 26 da IN, determina que o contribuinte submeta o eventual excedente de lucro ou dividendo pago a pessoas físicas, isto em relação ao que seria apurado de acordo com as normas contábeis vigentes até 31 de dezembro de 2007, à tributação pelo imposto de renda na fonte, sendo que a lei que institui o RTT sequer tratou do imposto de renda da pessoa física.
c) Juros sobre Capital Próprio (JCP)
Da mesma forma como com relação aos dividendos, a IN estabelece que, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, as pessoas jurídicas poderão deduzir os JCP pagos a titular, sócio ou acionista, considerado o patrimônio líquido calculado com base nos critérios e métodos contábeis vigentes em 31.12.2007.
Quer-nos parecer que o entendimento do executivo, nesse ponto, foi o mesmo dado ao caso dos dividendos pela PGFN, ou seja, de que a neutralidade fiscal levaria à conclusão de que, para fins de cálculo da JCP, haveria que se levar em conta o patrimônio líquido calculado de acordo com a contabilidade tributária.
Nesse aspecto também entendemos haver argumentos para afastar o entendimento trazido pela referida IN, mormente porque a neutralidade fiscal trazida pela Lei nº 11941/2009 não abrange o conceito de patrimônio líquido, tratando apenas das receitas, custos e despesas computadas para fins de apuração do lucro líquido tributável.
d) MEP
A IN esclareceu que serão avaliados pelo método de equivalência patrimonial (MEP) os investimentos relevantes em sociedades controladas e em sociedades coligadas sobre cuja administração tenha influência, ou de que participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital social.
Relembre-se que a Lei nº 11638/2007 contempla hipóteses mais abrangentes para a aplicação do MEP (ex.: sociedades coligadas em que a investidora possua influência significativa através do poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem que a participação represente 10% ou mais do capital da entidade coligada), o que pode vir a gerar diferenças na apuração de eventuais ganhos de capital e apuração de ágio ou deságio.
Ademais, seguindo a mesma linha adotada em relação ao pagamento de lucros e dividendos e ao cálculo da JCP, dispôs que a avaliação de investimento pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou controlada, deve ser realizado tendo por base o patrimônio líquido da coligada ou controlada conforme métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. Nesta questão, cabem os mesmos comentários que já fizemos em relação aos dividendos e à JCP.
e) Outras Considerações
Por fim, a IN estabelece, como não poderia deixar de ser, que os prejuízos fiscais apurados em anos anteriores poderão ser excluídos do lucro líquido, observada a “trava” de 30%. A redação da IN materializa em norma entendimento antigo da RFB ao trazer como pré-requisito para a mencionada exclusão que a pessoa jurídica mantenha os livros e documentos comprobatórios do prejuízo fiscal utilizado para compensação
Há diversas discussões no CARF quanto à guarda de documentos fiscais relacionados a prejuízos fiscais compensados pelo contribuinte, sendo que o entendimento do Fisco sempre foi de que o contribuinte deva guardar e apresentar para análise toda a documentação comprobatória do prejuízo compensado ao menos 5 anos a contar da efetiva compensação, ao turno que os contribuintes sempre arguiram que, passados 5 anos da geração do prejuízo fiscal, a fiscalização já não mais poderia questionar a inteireza do referido prejuízo pela decadência do direito de fazê-lo, sendo desnecessária a guarda de documentos, dado que a compensação de prejuízos não configura fato novo quanto ao saldo apurado, mas apenas o exercício do direito de compensar.
Fato é que, uma vez constante de IN, a fiscalização deverá observar a regra em questão, o que pode vir a aumentar o número de autuações nesse sentido.
f) Vigência e Efeitos
A vigência da IN em questão, de acordo com sua própria redação, é da data de sua publicação, sendo silente, no entanto, com relação à produção de efeitos.
No entanto, como em regra as INs têm como função conferir interpretação do executivo à legislação posta, a tendência é que sua aplicação se dê com alcance retroativo à instituição do RTT. Este, inclusive, é o posicionamento extraoficial que vem sendo divulgado pela imprensa nos últimos dias em entrevistas a integrantes do alto escalão da RFB, que informaram que a IN em questão atinge cerca de 600 empresas.
Tendo em vista que as disposições trazidas pela IN são bastante questionáveis, a tendência é que dela decorram diversas discussões quer no âmbito administrativo fiscal, quer no judicial.
As manifestações acima representam o entendimento deste escritório. Por se tratar de norma editada pela Secretaria da Receita Federal, é provável que a inobservância, inclusive pretérita, por parte do contribuinte venha a resultar em questionamentos, razão pela qual se recomenda que eventual descumprimento dessa norma seja precedido ou remediado por medidas protetivas.
Para mais informações, contate um profissional do Frignani Sociedade de Advogados.
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